Rolezinho:
breve rolê histórico
Esta foi uma semana temática: o
aumento dos juros, Cauã Reymond e os bigodes ensanguentados de Sir Ney foram
todos pisoteados pelos Mizunos dos funks da periferia. A curiosidade é geral:
"rolezinho" é do bem? "Rolezinho" é do mal?
"Rolezinho" é baderna? "Rolezinho" é cultural? O
"Rolezinho" de um termina onde começa o Rolexinho do outro? Ou
versa-vice?
"Uprising". Honoré Daumier. |
Para respondermos a essas perguntas,
é preciso compreender, antes de mais nada, que não se trata de um fenômeno
recente. Muito pelo contrário. O que foi, afinal de contas, o fuzuê de Jesus
contra os vendilhões? O nazareno chegou ao templo de Jerusalém montando um
jumentinho (praticamente um Chevette, pra época), trazendo na cola uma ruidosa
multidão da periferia (Jericó, Betel e outras quebradas), "expulsou a
todos que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas dos cambistas e as
cadeiras dos que vendiam pombas" (Mateus, 21:12-17). Se os centuriões
dispusessem de cruzes de borracha e coroas de espinho de efeito moral, Roma
talvez durasse mais uns três ou quatro séculos.
Esqueçamos Átila, os Godos,
Visigodos e Germânicos – nosso espaço é curto – e saltemos 1500 anos: Cabral
chegando à Bahia com aquele bando de marmanjo, atrapalhando o lazer dos índios
que só queriam passear com a família; é ou não é "rolezinho"?
"Rolezaum", na verdade, dada a distância percorrida. Dizem que,
depois dos primeiros atos de vandalismo (paus-brasil eram derrubados como se
fossem orelhões), os pataxós tentaram entrar com uma liminar, mas a Justiça da
época era avançadíssima e já estava do lado dos poderosos, de modo que não
apenas negou o pedido como o inverteu; os índios é que foram acusados de
"rolezinho" nas terras de El Rey.
Ainda que, sob certa perspectiva, a
história do mundo se confunda com a história do "rolezinho", foi no
século 20 que ele aflorou em todo seu esplendor. (É sabido que Eric Hobsbawn,
na sua obra mais famosa, ficou em dúvida entre os títulos "Era dos
Extremos" e "Era dos Rolês".) O rol dos grandes promotores de
"rolezinhos" inclui de Mahatma Gandhi aos Beatles, de Rosa Parks (a
moça afrodiferenciada que, em 1955, sentou no assento de ônibus reservado a
brancos, no Alabama) ao Roger, do Ultraje a Rigor ("Nós vamos invadir sua
praia"), dos hippies à Gaviões da Fiel, que em 1976 promoveu a
"Invasão Corintiana" ao Rio de Janeiro.
Diante da reaparição do fenômeno,
tem muita gente preocupada: o "rolezinho", em sua forma atual, veio
para ficar? Caso a resposta seja positiva: áreas VIP dariam conta de recolocar
cada um em seu lugar ou será necessária a construção de novos shoppings dentro
dos shoppings? Eu diria ao leitor mais aflito que não se preocupe, pois a
prefeitura apareceu com uma ótima solução: que os encontros sejam feitos não
mais dentro dos estabelecimentos, mas nos estacionamentos. É a ideia mais brilhante diante de um
"rolezinho" desde que Maria Antonieta sugeriu aos que não tinham pão
que comessem brioches. Como se sabe, sem pão, brioches ou opções de
lazer na periferia de Paris, a galera foi toda zoar na Bastilha.
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"A carta" — Luís Fernando Verissimo
"Eu, etiqueta" — Carlos Drummond de Andrade
"Olhos de ressaca" — Machado de Assis
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