TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO – 2013 – 2º Semestre
REDAÇÃO
A arte imita a vida ou a vida imita a arte?
Formule uma resposta para essa questão, produzindo um
texto dissertativo-argumentativo de cerca de 25 linhas em que você apresente e
justifique a sua posição. O texto produzido deve ser claro, coerente e conter
uma argumentação bem fundamentada. Dê um título criativo ao seu texto. Serão
valorizadas a pertinência e a originalidade de seus argumentos.
A seleção de textos a seguir – um poema, um trecho de
artigo e fragmentos de um romance – tem por objetivo ajudá-lo a desenvolver suas
próprias ideias para responder à questão proposta. Não devem, portanto, ser
reproduzidos na sua redação. NÃO ASSINE.
Texto 1
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
Mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
Ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente, sozinhos na cozinha,
De vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
Atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
Somos noivo e noiva.
PRADO, Adelia. Casamento. In: MORICONI, Ítalo. Os Cem
Melhores Poetas Brasileiros do Século. São Paulo: Geração Editorial, 2001.
p. 252.
Texto 2
Criatividade é inventar. Fazer existir coisa que não
existia. Nós inventamos músicas, roupas, armas, comidas, técnicas, jogos,
brinquedos, livros. Essas coisas não existiam. Os animais, ao contrário, desejam
que nunca haja mudanças. As mudanças, imperceptíveis, acontecem à revelia do
que eles possam pensar. Animal não pensa, não precisa pensar. O pensamento é a
busca do que não existe; a gestação do que não existe, o não existente, de
forma virtual, antes de existir de forma real. [...] Agora o absurdo, o
contraponto, o tema invertido: os homens precisam pensar e criar porque eles
são imperfeitos. Pensamento e criatividade nascem da imperfeição. Como os
animais, os homens são também melodias. Melodias interrompidas, melodias
inacabadas, como A arte da fuga, de Bach – ele morreu, antes de terminar
– ou a sinfonia inacabada de Schubert. Deus (ou a evolução) compôs só um pouquinho,
muito pouco – escolheu os instrumentos da orquestra, tocou a introdução e, com
um sorriso matreiro na boca, disse para a melodia assim iniciada: ‘Termine-se!
Se você não terminar, você vai desaparecer!’ E essa é a história da humanidade:
os homens, as culturas, tentando continuar a composição inacabada.
ALVES, Rubem. Lições do velho professor Rubem Alves.
Campinas, São Paulo:Papirus, 2013. p. 162-163.
Texto 3
O esforço para manter um contato, mínimo que seja,
com as palavras, leva-me a sugerir que nos aventuremos a trabalhar um conto
juntos. Ela entende do assunto: ao longo da vida, publicou três livros de
contos e poesias.
- Um conto, meu filho? – indaga interessada. – Você
tem certeza?
Proponho que nos inspiremos em nossas caminhadas no
calçadão e que nos limitemos a frases curtas, usando cores distintas. Uma para
ela, outra para mim.
Ela lança um olhar desconfiado para as quatro canetas
que coloco a sua disposição sobre a toalha: vermelha, negra, azul e verde.
Depois de hesitar um pouco, examina as inscrições na lateral de cada uma,
confere as pontas de feltro, coloca e retira suas tampas – até que empunha a
vermelha. Por meu lado, seleciono a azul.
O Sindicato do Chope estava vazio quando chegamos,
sugiro a título de abertura. Ela examina minha frase, como se necessitasse
dar um parecer sobre uma matéria complexa e controvertida. Por fim suspira, um
ar de reprovação estampado na face: Mas é claro que estava vazio – reclama -,
de manhã não tem ninguém por lá.
- Eu sei mamãe. Mas escreve. Isso, ou o que te passa
pela cabeça.
O Sindicato do Chopp estava vazio quando chegamos.
Os garçons limpavam a mesa com um pano sujo.
Relê o texto, não parece satisfeita. Balança a
cabeça, um muxoxo nos lábios, e se debruça novamente sobre as palavras. Emenda
com grande esforço: Os garçons limpavam as mesas com seus panos sujos. Cumprida
a primeira tarefa, olha-me com satisfação. Sua frase está meio borrada e cheia
de rasuras, mas representa um inegável triunfo. É cedo, contudo, para
cumprimentá-la. Agrego uma variável a nossa saga:
Foi quando o casal entrou.
Ela ri e alerta:
- Veja lá o que você vai fazer com esse casal!
- O que vamos fazer, mamãe...- replico sério –
o que vamos fazer.
- Eu cuido dos garçons – ela avisa- , você cuida do
casal.
Trata-se de razoável divisão de tarefas. Sua letra,
de início trêmula e indecisa, vai aos poucos conquistando certa firmeza. Quando
chegamos ao pé da terceira página nossos personagens já brigaram e fizeram as
pazes ( “onde se viu beber cerveja a essa hora??” – bradara um dos
garçons, para total perplexidade do casal), mas mamãe está visivelmente
cansada.
- Chega, meu filho, não aguento mais esses chatos!
[...]
Peço licença a minha mãe para incluir nosso conto em
meu romance.
- Seu romance? – ela pergunta intrigada. –
Nosso conto?
Falo sobre meu livro, em linhas muito gerais, de como
venho navegando história adentro, explorando meandros e desvios, lidando com
personagens reais ou imaginários, sem que consiga distingui-los com clareza, e
até gostando dos espelhos – que lembram tantos outros.
É um risco calculado, esse que tomo, ao misturar
realidade e ficção frente a seus olhos, como se estivesse preparando a salada
de nosso almoço. Ela me escuta, imóvel no sofá. Não tenho como saber se viaja
comigo. A rigor, de todo meu círculo de relações, apenas ela tem condições de
me entender, dado o estado em que se encontra. Vive imersa em um mundo
no qual meus personagens nascem, crescem e, por vezes, morrem. Ninguém se
encontra mais dentro de minha história, ainda que tudo ignore de seus detalhes.
- Se você quer saber a verdade, meu filho – ela
comenta depois de um momento -, acho que ele já está lá. Nosso conto. No seu
romance.
É dela que vem o azeite da nossa salada. Aguardo que
outras frases se sucedam a essa. Mas ela se cala. Deu seu recado. Cabe a mim
digeri-lo.
RIBEIRO, Edgard Telles. Um livro em fuga. Rio de
Janeiro: Record, 2008. p. 87; p.98
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