TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO – 2015 – 2º Semestre
REDAÇÃO
A escola com que sempre sonhei sem
imaginar que pudesse existir (título
de um dos livros do educador Rubem Alves) inspira o tema desta proposta de
produção de texto.
Seguindo as instruções abaixo, escreva um
texto dissertativo-argumentativo – com cerca de 25 linhas –, discorrendo
sobre o que você considera ser a escola ideal. Seu texto deve,
obrigatoriamente, RESUMIR e COMENTAR alguma parte de pelo menos um dos textos
da prova, seja para concordar com ele ou para discordar de seu teor – acrescentando
a devida referencialização. Além disso, pelo menos uma frase de um dos
textos da prova deve ser inserida em seu texto, também com a inclusão do
nome do seu autor. Dê um título criativo ao seu texto.
Texto
1 - A educação
pelo ovo - José Castello
A educação não é um caminho em
linha reta. Não deve ser confundida com a programação, ou a habilitação. Não é
um adestramento. Diante dela, a literatura se torna um terreno de resistência.
Encontro fortes exemplos disso em "Tempos de escola/ Contos, crônicas e
memórias", volume do selo Boa Companhia (Companhia das Letras). Autores
tão distintos quanto Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Sant’Anna
e Lima Barreto, entre outros, nos levam a encarar a educação não como um
processo lógico, resultado só da aplicação coerente de métodos próprios, mas,
também, como uma espécie de iluminação. Algo que se passa – ou não – dentro de
cada um.
Começo pelos breves textos de
Carlos Drummond. Em “A escola perfeita”, vários métodos educacionais são
experimentados. Primeiro, imagina-se a criação de uma Escola de Pais, em que as
famílias sejam adestradas na arte de adestrar os filhos. Não dá certo. A
direção da escola decide deixar a tarefa, então, nas mãos dos próprios filhos,
mas isso também não funciona. Em uma solução híbrida, imagina-se a criação de
uma escola conjunta de pais e filhos, “sem programa definido”, mas mesmo o
incerto não produz resultado algum.
A resposta só aparece na criação de
uma escola que imita a natureza, “uma escola natural de coisas, em que tudo
fosse objeto de curiosidade, sem currículo”. Surge assim uma Escola da
Natureza, “sem mestres, sem alunos, sem decreto, sem diploma, onde todos
aprendem de todos”. A nova escola – que anula a própria ideia de escola – é
regida por dois princípios que, normalmente, excluímos do ensino: a alegria e a
falta de cerimônia. Só assim, abdicando do caráter reto para imitar a
incoerência da vida, o novo método funciona.
As palavras – Drummond nos alerta –
têm um poder devastador que, em geral, desconsideramos. Leia-se, agora, “Poder
da etimologia”. O professor Nemésio explica à aluna Cacilda que, segundo as
teses de Zambaldi, seu nome quer dizer “a que combate com lança”. Antes uma
menina doce, a revelação transforma Cacilda em uma criança “suscetível e mesmo
agressiva”. A família toma satisfações com o mestre. Ele só consegue resolver o
estrago quando nega sua própria afirmação. “Minha filha, isso de etimologia é
muito discutível, cada uma diz uma coisa”. Garante, então, que as teses
tradicionais de Zambaldi estão desacreditadas. “O verdadeiro significado do
nome de uma pessoa é o que lhe confere a pessoa que o tem”. Cada um é dono de
seu próprio nome. Novamente de posse de si mesma, ela volta a ser uma menina
suave e gentil. É em nós mesmos, e não nos compêndios, que encontramos a origem
de nosso nome.
Em “Nova carta de ABC”, Olavo Bilac
relata a história de um menino que encontra um método invertido de
alfabetização. Fascinado por cinema, ele aprende a ler sozinho decifrando os
cartazes dos filmes. “Todos nós aprendemos a ler indo da parte para o todo,
começando pelas letras, passando às sílabas e acabando pelas palavras e
frases”. Mas agora o garoto inverte o processo e parte das frases prontas para,
só depois, chegar às palavras e, enfim, às letras. “A paixão sempre opera
milagres”. Graças a sua paixão pelo cinema, o garoto criou seu próprio método,
que funciona muito mais rápido que o método tradicional. Mas que,
provavelmente, só funciona para ele.
A história do menino desfaz um mito
cultivado, com fervor, pela maioria dos educadores: o da simplicidade e
retidão. Escreve Bilac: “há criaturas que nascem complicadas, (...), não
podendo absolutamente compreender o que não é complicado”. Dá o exemplo extremo
de um homem que só lê e escreve em uma língua que apenas ele entende.
Especifica: “os seus caracteres não são pictográficos, nem ideográficos, nem
chineses, nem cuneiformes”. A outro homem seria muito mais fácil aprender a
escrita comum, pelos processos comuns. “Mas há gente que só é capaz de fazer o
que é difícil”. Tudo depende, outra vez, da intuição.
No mais belo relato do livro, “A
aula”, de Sérgio Sant’Anna, o ensino é visto como um propósito que ultrapassa
as forças humanas. Ao lidar com o aluno, o mestre deve primeiro encontrar sua própria
maneira de se aproximar dele. Para chegar a seu objetivo, um professor se vale
de um ovo – símbolo da absoluta perfeição e também da origem da vida – e de um
cartaz publicitário que traz uma faixa de luz dourada atravessando um fundo de
trevas. Preparando-se para a aula, o mestre está desencorajado e chega a ter
vertigens. “E, mais do que morrer, teve medo de desabar diante de todos, caindo
no ridículo”. Vai dar a aula inaugural do semestre. Dele esperam clareza e
lucidez. Conseguirá?
É mal visto pelos colegas. Os
acadêmicos o tomam como um “empírico”, um daqueles “que fazem da imaginação e
da fantasia uma realidade palpável”. Sua primeira frase anuncia o difícil
caminho que escolheu: “Tomemos como princípio o Caos”. Ele também pode ser
chamado de informe ou indiferenciado. Para chegar a esse objeto fluido, que
está na origem de tudo, os métodos convencionais já não prestam. Agarra-se o
mestre, então, ao ovo, “a vida em sua forma mais primária e perfeita”. Ilustra
a aula com um ovo roubado de um sanduíche. Suas meditações a respeito desse
núcleo primário despertam as risadas dos alunos. A certo momento, como em um
mantra, e imitando o Om, Om, Om dos indianos, eles começam a repetir a palavra
“ovo”, deixando o professor atordoado.
O mestre não se deixa abater.
Apresenta, então, a tese paradoxal de que o Ovo Cósmico foi o gerador
“inclusive de Deus”. O elo perdido da origem humana seria, assim, essa origem
circular, em que o próprio criador é criado por seu objeto, em uma ruptura
radical com a noção de tempo evolutivo. A resposta é, portanto, um círculo e
não há mais o que transmitir. Resta-lhe lançar o ovo no chão, destruindo
qualquer esperança de coerência. De uma forma ou outra, seu método intuitivo
abriu uma ferida no espírito de seus discípulos. O professor de Sant’Anna nos
ajuda a pensar que a transmissão do saber, muitas vezes, toma as formas mais
imprevistas. É com o inesperado que o professor deve jogar, ou estará apenas a
repercutir velhas verdades e a massacrar com elas seus alunos.
(Texto
publicado no suplemento "Prosa", do jornal O Globo, em
25/04/2015)
Texto 2 - Se a memória não me atrapalha - Letícia
Novaes
[...] Tão engraçadas as convicções
que carregamos pra vida. No colégio, sofrendo com aulas e metodologias que já
desconfiava que não valeriam muito futuramente, eu me lembro de aprender a
fórmula de Báskara e pensar até quando eu manteria aquilo para mim. Um dia meu
pneu furou, olhei para o céu, tentei emitir a fórmula, e esperar um gênio, só
que não. Só que nunca.
Esqueci muito da escola, lembro os
professores mais humanistas, os devaneios que inventava pra tentar me manter sã
naquele estabelecimento, mas o que me foi ensinado foi deletado ou enclausurado
numa parte do cérebro que desconheço. Duvido que algum dia surpreenda a todos
numa mesa de bar com algum comentário químico elaborado.
Mãeana, amiga-artista-UFO, diz que
“foi a falta de investimento no subjetivo que deixou a vida assim, sisuda”.
Enquanto os herdeiros tentam se achar no exterior, os sobreviventes cariocas
tentam pagar um aluguel carésimo, e, nessas horas, juro que me falta uma
memória: por que não tive aula de economia no colégio? Por que camuflam um
assunto tão universal quanto nossas fezes? Por que raios não nos explicam o que
é dinheiro no colégio? E mais: por que não tive aulas de expressão corporal?
Não que educação física não fosse importante. Era, sempre foi: a prática do
esporte coletivo, a competição, saber perder, saber como se comportar ao ganhar,
tudo muito maravilhoso. Mas eu e meu gigantismo aceitaríamos bem uma aulinha de
corpo. E aposto que tantos outros jovens, os sem jeito e os com jeito,
adorariam. Num delírio bem forte também adoraria ter aula de astrologia, mas aí
sei da polêmica além que causaria. Se é pra sonhar com uma escola ideal, vou
longe. [...]
(Trecho de artigo publicado no jornal O Globo, em
22/04/2015)
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