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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO – 2014 – 2º Semestre

TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO – 2014 – 2º Semestre


REDAÇÃO

Autocrítica e autoconhecimento: caminhos para o outro

Formule um texto (de 20 a 25 linhas) que possa ter o título acima – “Autocrítica e autoconhecimento: caminhos para o outro” –, dissertando a respeito da questão do etnocentrismo na cultura ocidental. Serão valorizadas a coerência, a coesão e a correção de sua escrita. Os trechos a seguir devem ser citados, em seu texto, acompanhados, obrigatoriamente, da menção às devidas fontes (nome do autor e título da obra). NÃO ASSINE.

Texto 1 - O que é etnocentrismo

Etnocentrismo é uma visão do mundo na qual o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como o fato de sentirmos estranheza, medo, hostilidade, etc. [...] Esse problema não é exclusivo de uma determinada época nem de uma única sociedade.
Como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica, temos a experiência de um choque cultural. De um lado, está “um grupo do eu", o "nosso" grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente, nos deparamos com um "outro", o grupo do "diferente" que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou, quando as faz, é de forma tal que não as reconhecemos como possíveis. Mais grave ainda: esse “outro" também sobrevive à sua maneira, gosta do seu jeito de viver, também está no mundo e, ainda que diferente de nós, também existe. [...]
O grupo do "eu" faz, então, da sua visão a única possível ou, mais discretamente, se for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do "outro" fica, nessa lógica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. Esse processo resulta num considerável reforço da identidade do "nosso" grupo. No limite, algumas sociedades chamam-se por nomes que querem dizer "perfeitos", "excelentes" ou, muito simplesmente, "ser humano"; ao "outro", ao estrangeiro, chamam, por vezes, de "macacos da terra" ou "ovos de piolho". De qualquer forma, a sociedade do "eu" é a melhor, a superior. É representada como o espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso. A sociedade do "outro" é atrasada. É o espaço da natureza, cheio de selvagens, de bárbaros. Eles são estranhos para nós, pois, lá no fundo, embora não saibamos, somos nós mesmos.

Adaptado do livro "O Que é Etnocentrismo", de Everardo Rocha (Brasiliense, 1984, p. 7-22)

Texto 2 - Descoberta de novos mundos

O antropólogo americano Loren Eiseley (1907-1977) conta uma história que exprime um possível encontro com outras realidades em nossa rotina. Para Eiseley, descobrir outro mundo não é apenas um fato imaginário, mas algo fantástico que acontece aos homens e aos outros animais. Por vezes, as fronteiras entre distintos universos resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento. O antropólogo relata um fato que viu acontecer com um corvo: “Esse corvo é meu vizinho e eu nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu me dirigia às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isso passou como um raio, soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca mais ouça coisa semelhante”. O grito não saiu da mente de Eiseley durante toda a tarde, tamanha foi a sua intensidade. Em virtude do denso nevoeiro, a fronteira entre o mundo do corvo e o dele – um homem – resvalara, caíra, tombara. Aquele corvo, que achava estar voando à altitude habitual, tinha visto, subitamente, um espetáculo contrário, para ele, às leis da natureza: um homem caminhando no espaço, bem no centro do mundo dos corvos. A imensa ave tinha se deparado com a manifestação de estranheza mais completa que podia conceber. Na análise de Eiseley, o animal tinha visto, pela primeira vez, um fantástico homem voador: “Agora , quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, nos quais reconheço a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é e nunca mais será como os outros corvos”. Ninguém permanece igual quando se depara com o mundo do “outro”.

Adaptado do livro “O Despertar dos Mágicos”, de Louis Pauwels (Tradução de Gina de Freitas para a editora Bertrand Brasil, 1998, p. 23-25)

Texto 3 - Crítica é arma contra a desorientação

Os parâmetros de julgamento dependem de nossas raízes, de nossas preferências, de nossos hábitos, de nossas paixões, de um sistema de valores nosso. Por exemplo: será que julgamos ser um valor prolongar a média de expectativa de vida de 40 para 80 anos? Pessoalmente, acredito que sim, mas muitos místicos poderiam dizer-me que, entre um devasso que viveu 80 anos e São Luiz Gonzaga, que viveu 23, o segundo teve uma vida mais plena. Mas admitamos que o prolongamento da vida seja um valor: se fosse assim, a medicina e a ciência ocidentais certamente seriam superiores a muitos saberes e práticas médicas.
Acreditamos que o desenvolvimento tecnológico, a expansão dos comércios, a rapidez dos transportes sejam um valor? Muitíssimos pensam assim e têm o direito de julgar superior a nossa civilização tecnológica. Mas justo no interior do mundo ocidental há aqueles que consideram um valor fundamental uma vida em harmonia com um ambiente não corrompido e, por isso, estão preparados para renunciar a aviões, automóveis e geladeiras para confeccionar cestas e mover-se a pé de vilarejo em vilarejo, desde que não haja buraco na camada de ozônio. E, dessa forma, vejam que, para definir uma cultura como melhor do que a outra, não basta descrevê-la (como faz o antropólogo). É preciso referir-se a um sistema de valores aos quais pensamos não poder renunciar. Só então podemos dizer que a nossa cultura, para nós, é melhor.
O problema dos parâmetros não se coloca em chave histórica, mas, sim, em chave contemporânea. Uma das coisas louváveis das culturas ocidentais (livres e pluralistas, e esses são os valores que consideramos irrenunciáveis) é que perceberam há um bom tempo que a mesma pessoa pode ser levada a manobrar parâmetros diferentes e mutuamente contraditórios sobre questões diferentes. Por exemplo, considera-se um bem o prolongamento da vida e um mal a poluição atmosférica, mas sabemos bem que, para termos os laboratórios onde se estuda o prolongamento da vida, é preciso ter um sistema de comunicação e um fornecimento de energia que, possivelmente, por sua vez, produza poluição. A cultura ocidental elaborou a capacidade de desnudar livremente suas próprias contradições. Pode ser que não as resolva, mas sabe que existem e o diz. No fim das contas, todo o debate a favor e contra a globalização está aqui, com exceção dos fascistas, que destroem tudo: como é suportável uma cota de globalização positiva, evitando os riscos e as injustiças da globalização perversa, como se pode prolongar a vida mesmo dos milhões de africanos que morrem de Aids (e, ao mesmo tempo, alongar a nossa) sem aceitar uma economia planetária que faz com que os doentes de Aids morram de fome e com que nós engulamos comidas contaminadas? Mas justamente essa crítica dos parâmetros, que o Ocidente persegue e encoraja, nos faz entender como a questão dos parâmetros é delicada. É justo e civil proteger o sigilo bancário? Muitos consideram que sim. Mas e se esse sigilo permitir aos terroristas manter seu dinheiro na cidade de Londres? E então, a defesa da privacidade é um valor positivo ou dúbio? Nós colocamos nossos parâmetros continuamente em discussão. O mundo ocidental o faz a tal ponto que consente que os próprios cidadãos recusem como positivo o parâmetro de desenvolvimento tecnológico e se tornem budistas ou passem a viver em comunidades onde não se usam pneus, nem mesmo para as carroças a cavalo. A escola deve ensinar a analisar e a discutir os parâmetros sobre os quais se sustentam nossas afirmações passionais.

Adaptado do ensaio "Simplificação gera guerras santas", de Umberto Eco (“Folha de S. Paulo”/”La Republica”, 07/10/2001, tradução de Gustavo Steinberg)

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