TEMA DE REDAÇÃO – PUC-RIO – 2016 – 1º Semestre
REDAÇÃO
No artigo O país das mil faces, Mario Vargas
Llosa deixa transparecer a maneira como ele concebe o seu país. Ainda que se
permita tecer algumas críticas em relação ao Peru, o escritor revela estar
indissoluvelmente vinculado à sua terra natal.
Procurando estabelecer um diálogo com o escritor,
produza um texto dissertativo-argumentativo — com cerca de 25 linhas —
apresentando suas concepções sobre o Brasil. Seu texto deve,
obrigatoriamente, RESUMIR e COMENTAR pelo menos algum trecho do artigo do
escritor peruano seja para concordar com ele, seja para dele discordar no que
diz respeito à ideia de nação acrescentando a devida referência. Além disso,
pelo menos, uma das definições do conceito que aparecem nos textos da prova de
Português e Literatura Brasileira deve ser inserida em sua redação, também com
a inclusão do nome do seu autor. Dê ao seu texto um título que instigue a
leitura.
A cidade onde nasci, Arequipa, no sul do Peru, em um
vale dos Andes, foi famosa por seu espírito clerical e de revolta, por seus
juristas e seus vulcões, a limpeza de seu céu, seus saborosos camarões e seu
regionalismo. E também pela “nevada”, uma forma de neurose transitória que
acomete os que nasceram ali. Um belo dia, o mais manso dos arequipanos para de
responder aos cumprimentos, passa as horas de cara fechada, diz e comete os
maiores disparates e por causa de uma simples divergência de opiniões, começa a
ameaçar o seu melhor amigo. Ninguém estranha nem se irrita com isso, pois todos
entendem que o sujeito está com a “nevada” e que no dia seguinte voltará a ser
a pessoa inofensiva de sempre.
Embora minha família tenha me levado dali com um ano
de idade e eu nunca tenha voltado a morar na cidade, sempre me senti bastante
arequipano, e também acredito que as piadas que correm sobre nós no Peru —
dizem que somos arrogantes e até mesmo loucos — são fruto da inveja. Pois não
somos nós os que falamos o castelhano mais castiço do país? E não somos nós que
temos esse verdadeiro monumento arquitetônico que é o Santa Catalina, um
convento onde chegaram a morar quinhentas mulheres na época da colônia? Não
fomos nós o cenário dos mais grandiosos terremotos e da maior quantidade de
revoluções da história peruana?
Como sempre acontece com as famílias estrangeiras,
viver em outro país fez com que se reforçasse o nosso patriotismo. Até os dez
anos de idade, eu tinha certeza de que ser peruano era o melhor dos destinos. A
ideia que eu então fazia do Peru tinha mais a ver com o país dos incas e dos conquistadores
do que com o Peru real. Este eu só vim a conhecer em 1946. A família se mudou
para Piura, onde meu avô tinha sido nomeado prefeito. Viajamos por estradas de
terra, com uma parada em Arequipa. Recordo-me da emoção que senti ao chegar à
minha cidade natal. Lembro de minha excitação ao ver o mar pela primeira vez,
em Camaná. Resmunguei e enchi tanto que meus avós concordaram em parar o
automóvel para que eu pudesse dar uma mergulhada no mar daquela praia brava e
selvagem. Meu batismo marítimo não foi muito bem sucedido porque fui picado por
um caranguejo. Mesmo assim, o meu amor à primeira vista pelo litoral peruano se
manteve.
Anos depois...
Parti para a Europa e não voltei a morar no meu país
de forma permanente até 1974. Entre os vinte e dois anos, idade que tinha
quando parti, e os trinta e oito, que completei em minha volta, muitas coisas
se passaram, e quando retornei eu era, em vários sentidos, uma pessoa
totalmente diferente. Mas, no que se refere à relação como o meu país, acredito
que continua a ser a mesma de minha adolescência. Uma relação que poderia ser
definida com a ajuda de metáforas, mais do que de conceitos. O Peru é, para
mim, uma espécie de doença incurável, e minha relação com ele é intensa,
atritada, cheia daquela violência que caracteriza a paixão. O romancista Juan
Carlos Onetti disse certa vez que a diferença entre mim e ele, como escritores,
era que eu tinha com a literatura uma relação de matrimônio, e ele uma relação
de adultério. Tenho a impressão de que minha relação com o Peru é mais adúltera
do que conjugal. Ou seja: impregnada de suspeita, paixão e furor.
Conscientemente, luto contra toda forma de “nacionalismo”, algo que me parece
uma das grandes falhas humanas e que tem servido como álibi para os piores
contrabandos. Mas não deixa de ser um fato que as coisas do meu país me deixam
mais exasperado ou exaltado, e que o que nele acontece ou deixa de acontecer
diz respeito a mim de uma maneira íntima e incontornável. É possível que, se
fizesse um balanço, eu chegasse à conclusão de que, na hora de escrever, aquilo
que do Peru se faz mais presente em mim são seus defeitos. E que também tenho
sido um crítico severo, a ponto de cometer alguma injustiça, de tudo aquilo que
o aflige. Mas creio que, sob essas críticas, reside uma solidariedade profunda.
Embora já tenha me ocorrido odiar o Peru, esse ódio, como no verso de César
Vallejo, foi sempre impregnado de ternura.
Lima, agosto de 1983
VARGAS
LLOSA, Mario. Saberes e utopias: visões da América Latina. trad.
Bernardo Ajzenberg, Rio de Janeiro, Objetiva, 2010.
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